Meias Verdades

Investimentos de acordo
com a fonte de informação

  DANIEL LIMA - 01/04/2003

  • Trechos de matéria em O Estado de S. Paulo de 11 de março de 2001, “Interior de SP atrai investimentos de US$ 16 bi”:

O Interior de São Paulo é o destino da metade das intenções de investimentos divulgados no ano passado para todo o Estado. Segundo pesquisa da consultoria Simonsen Associados, os recursos atingem US$ 16 bilhões a serem investidos nos próximos anos em regiões com boa infra-estrutura, mão-de-obra qualificada e empresas que estão se remodelando para continuarem competitivas no mercado mundial. Desse valor, 14% concentram-se no Município de Campinas, de acordo com a sócia-diretora da consultoria, Maria Angela Conrado. O percentual é idêntico ao registrado para Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, juntos.

Os dados da consultoria reforçam a tendência que se concretizou na última década: o Interior paulista recebeu dezenas de novas empresas, foi palco da reestruturação de grande parte delas e permitiu a consolidação do jeito “caipira” de fazer negócio, mesmo no ambiente globalizado e concorrido no qual essas grandes e médias organizações atuam.

  •  Trecho de matéria do jornal Valor Econômico de 8 de junho de 2001, “Interior de São Paulo concentra 49% dos investimentos privados”:

Apesar do recuo de 31% do valor dos investimentos anunciados em 2000 para a Região Metropolitana de São Paulo em relação ao ano anterior, este continua sendo o principal pólo econômico e industrial do Estado. Foi o que teve maior participação no volume total, com 25%, segundo relatório da Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade).

A pesquisa confirmou a tendência de crescimento da atividade econômica no Interior paulista. Do total de US$ 23,7 bilhões anunciados em 2000, US$ 11,7 bilhões (ou 49%) foram destinados ao Interior e US$ 5,9 bilhões à Região Metropolitana de São Paulo. Foram as empresas controladas pelo capital estrangeiro as que mais investiram no ano passado, respondendo por 62% dos investimentos no Estado de São Paulo. E, em seis anos (período do estudo), o Estado atraiu US$ 114,5 bilhões.

“A diminuição do investimento na Região Metropolitana está relacionada à infra-estrutura e à qualidade de vida do Interior, mas a força do mercado consumidor e da rede de serviços da Capital ainda é fator decisivo para a concentração de capital nela. Essa dinâmica ainda será reforçada com a construção do Rodoanel e a expansão do porto de Santos”, atenta o analista do Seade, Luiz Antonio Paulino.

  •  Trechos de matéria da revista LIVRE MERCADO, edição de maio de 2002, “Fomos barrados nos investimentos”:

A mais recente Pesquisa de Investimentos Privados no Estado de São Paulo traz notícias desconfortáveis ao Grande ABC. De acordo com levantamento realizado pela Fundação Seade em parceria com a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, quatro das principais cidades da região desabaram no ranking de investimentos produtivos durante 2001 e outra apresentou queda moderada sobre base nivelada por baixo. Resultado do desmoronamento coletivo: responsável por 9,3% do Valor Adicionado estadual, o Grande ABC contabilizou apenas 0,28% dos investimentos destinados ao Estado de São Paulo no ano passado.

O mergulho do Grande ABC deu-se em contexto em que o conjunto da Região Metropolitana de São Paulo cresceu. Os investimentos de US$ 9.741,22 milhões para a Grande São Paulo em 2001 — do total de US$ 23,5 bilhões em todo o Estado — embutem crescimento de 64% sobre os US$ 5.925,75 milhões contabilizados no ano anterior. Dessa aparente contradição, formada pelo paradoxo de perder isoladamente enquanto se faz parte de um grupo que saiu ganhando, é possível extrair duas constatações à compreensão da economia do Grande ABC e suas diferenças em relação ao restante da Região Metropolitana, principalmente São Paulo.

O crescimento conjunto da Região Metropolitana é puxado pela performance da Capital, que, a despeito da desindustrialização pela qual também passa, não pára de receber gordos investimentos em prestação de serviços na condição de Capital econômica e financeira da América Latina. O Município de São Paulo contabilizou aportes de US$ 7.115,65 milhões em 2001, com crescimento superior a 100% ante os US$ 3.234,95 milhões do ano anterior. O setor de serviços contribuiu com US$ 6.316,59 milhões do total de 2001 e a indústria entrou com apenas US$ 729,30 milhões.

No Grande ABC, os resultados são diametralmente opostos aos da Capital. Os investimentos caíram de US$ 1.908,57 milhões em 2000 para US$ 665,03 milhões em 2001 porque a economia regional está excessivamente atrelada à indústria em geral e à vulnerável cadeia automotiva, em particular.

Enquanto a indústria automobilística sediada na região anunciava investimentos tecnológicos para não perder o bonde da competitividade, o Grande ABC aparecia relativamente bem na radiografia estatística da Fundação Seade. Ufanistas pintavam cenários multicoloridos e varriam para debaixo do tapete o fato de que os investimentos da atividade mais competitiva do planeta se prestavam exclusivamente à modernização de fábricas e estruturas obsoletas, com a contrapartida do desemprego. Depois que a onda de investimentos voltados à sobrevivência das montadoras passou, sobrou o retrato claro, sem retoques, de uma região que se vê refém de um segmento vertiginoso.

Análise quantitativa dos dados da pesquisa da Fundação Seade sugere acalentador equilíbrio de atratividade entre a Região Metropolitana de São Paulo e o Interior paulista. Mas a análise qualitativa, mais eficiente nos efeitos socioeconômicos, diz exatamente o contrário. O levantamento mostra que a Região Metropolitana de São Paulo absorveu US$ 9,7 bilhões em investimentos durante o ano passado, enquanto o Interior ficou com US$ 9,1 bilhões dos valores anunciados. A diferença é que os investimentos na Capital e nos demais 38 municípios metropolitanos se concentraram no segmento de serviços, enquanto a massa de recursos destinada ao Interior do Estado foi injetada prioritariamente no setor industrial. Do total de US$ 10,2 bilhões investidos na indústria paulista, apenas 17% tiveram como destino algumas das 39 cidades da Grande São Paulo com seus 18 milhões de habitantes. Em contrapartida, 62% dos investimentos industriais foram canalizados para o Interior.

  •  Trechos de matéria da Gazeta Mercantil de 20 de julho de 2002, “Interior concentra 95% dos planos de investimentos em SP”:

O Interior de São Paulo concentrou 955 das intenções de investimentos anunciados na imprensa no primeiro semestre do ano, segundo dados divulgados ontem pela Simonsen Associados. A pesquisa — que computa anúncios de aportes de companhias nacionais e estrangeiras nos principais jornais e revistas do País — revela que de janeiro a junho foram divulgados US$ 6,4 bilhões em inversões no Estado. Desse montante, US$ 6,1 bilhões estão direcionados para o Interior, enquanto somente US$ 326 milhões irão para a capital paulista.

“A tendência em todo o País é de interiorização do desenvolvimento, ou seja, cada vez mais os investimentos serão feitos em locais que não são os tradicionais”, afirma o sócio-diretor da Simonsen Associados, Antonio Cordeiro.

Os investimentos na Capital paulista vêm sofrendo oscilações nos últimos sete anos. Em 1995, por exemplo, o Município era responsável por 9,7% das intenções de investimentos; em 1999, o número saltou para 63,3% por conta da abertura do mercado das telecomunicações. No ano passado, o valor caiu novamente e a Capital deteve a fatia de 10,6% dos aportes anunciados para o Estado.

Segundo o relatório da consultoria paulista, as intenções de investimentos diminuíram em todo o País. Os aportes anunciados nos primeiros seis meses do ano somaram US$ 61 bilhões, contra US$ 115 bilhões divulgados no mesmo período de 2001. Harry Simonsen Jr. aponta três motivos para a retração: a queda de investimentos de empresas estrangeiras, a desvalorização do real e o temor de uma nova crise de energia.

  •  Trechos de matéria do jornal Valor Econômico de 26 de novembro de 2002, “Interior e média empresa mudam perfil do investimento em São Paulo”:

Os planos de investimento no Estado de São Paulo sofreram importantes mudanças no primeiro semestre de 2002. Em relação ao ano passado, eles diminuíram em 55%, passando de cerca de US$ 15,5 bilhões para US$ 6,9 bilhões. Contudo, o que mostra pesquisa inédita da Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade) é que também o perfil dos empreendimentos se alterou. Eles passaram a ser feitos pelas pequenas e médias empresas e se dirigem cada vez mais para o Interior.

O número de empreendimentos aumentou de 740 para 942 e a maior parte deles (321) se concentrou em investimentos de menor porte, entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão.

A redução no valor dos anúncios de investimentos foi causada principalmente pelo menor número de projetos nas áreas de telecomunicações e energia. No primeiro caso, com o cumprimento das metas da privatização, houve uma redução de 87% nos anúncios, de cerca de US$ 3 bilhões para US$ 380 milhões. E no segmento energético, os investimentos foram 24% menores, ficando em US$ 800 milhões.

O impacto das eleições e as incertezas quanto à recuperação da economia global também puderam ser sentidos como fatores de adiamento das decisões de investimento. “A queda foi uma decorrência natural de um quadro que tende a se reverter no próximo ano”, analisa o coordenador técnico da pesquisa do Seade, Luís Antônio Paulino.

As diferenças entre a Simonsen & Associados e a Fundação Seade são antigas no campo da pesquisa de investimentos programados. Já em agosto de 2000, escrevi artigo para a revista LIVRE MERCADO no qual alertava sobre as metodologias aplicadas. Naquela oportunidade, perguntava o quanto de investimento privado foi anunciado para o Estado de São Paulo desde que o governo Mário Covas tomou posse, em janeiro de 1995.

A divulgação do próprio governador de que US$ 100 bilhões foram atraídos para o território paulista até maio de 2000, com base no levantamento da Fundação Seade, em nada se assemelhava aos números da Simonsen Associados. Para a Simonsen, sediada em São Paulo há então 34 anos e uma carteira recheada de clientes de mais de 450 logomarcas, de 1995 a 1998 foi anunciado o dobro dos recursos em relação ao governo do Estado, ou seja, US$ 200 bilhões. Praticamente um terço de todo o volume que irrigou até então o território nacional.

A diferença entre Simonsen e Seade pode ser explicada menos pela metodologia e mais pela abrangência do campo de informações. A Fundação Seade capta diariamente as informações primárias — anúncios de investimentos produtivos privados — divulgados pelos principais meios de comunicação e obtém confirmação junto às respectivas empresas. O mapeamento se limita a quase cinco dezenas de jornais paulistas. Também são pesquisadas todas as edições do site do governo do Estado de São Paulo e incluídas notícias eventualmente enviadas pelas prefeituras. Já a Simonsen Associados capta informações em 640 jornais e revistas do País.

Em comum entre as duas pesquisas está o nível de risco das informações. A divulgação de intenção de investimento não significa — como afirma Harry Simonsen — que, na prática, os objetivos se materializaram. “Não sabemos se de fato são investimentos que se realizam na plenitude, mas, de qualquer forma, os dados revelam tendências de aplicação de recursos privados na economia” — conceitua.

A Simonsen é uma empresa de prestígio. O ranking das 100 melhores cidades para investimentos no País, da revista Exame, foi organizado pela consultoria. O banco de dados sobre investimentos privados no Brasil é apenas uma das ferramentas utilizadas pela empresa, mesmo assim com cautela por causa da dificuldade de acompanhamento. Esses cuidados não são exatamente marca registrada de qualquer administração pública. Por isso, o governo do Estado faz estardalhaço com os dados da Fundação Seade.

O mais indicado para uma situação como essa é que tanto a Imprensa quanto os braços de pesquisa da Simonsen e da Fundação Seade amadureçam o relacionamento. O que quer dizer amadurecimento nesse caso? Primeiro, que os dados da Fundação Seade são extremamente frágeis pelo aspecto de territorialidade atingida, bem como pelas restritas fontes de informação. Segundo, que a mídia não esqueça da Simonsen quando for divulgar pesquisas da Fundação Seade nem da Fundação Seade ao expor dados da Simonsen. É possível que o confronto de numerais tão díspares faça cair a ficha da sensatez e uma espécie de convênio branco — unindo as duas usinas de informações — se harmonize para colocar ordem na casa.

O que isso poderia sugerir? Que é um desperdício de tempo, de dinheiro, de paciência e de confiabilidade a Simonsen e a Fundação Seade antagonizarem informações sobre um mesmo território — o Estado de São Paulo. Caberia à mídia nesse caso, não fosse apenas reprodutora de informações, o papel de amalgamar as relações das duas instituições. É muito mais que provável que a associação do olhar público e do olhar privado no campo estatístico resulte em informações econômicas que, em vez de jogarem farofa no ventilador da compreensão da situação nacional, iluminem o horizonte de investimentos mais seguros.

Será que é tão difícil assim zerar esse jogo e iniciar, para valer, uma nova etapa estatística de uma modalidade de informação preciosa na captação de tendências setoriais, regionais e estaduais?

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